sábado, 28 de novembro de 2020

TIREM-ME DESTE FILME

Pertenço à geração do Carpe Diem. A geração que viu o filme «o clube dos poetas mortos» interpretado pelo genial Robin Williams, enquanto andava no liceu.

E de repente, toda a gente queria aproveitar o dia, toda a gente queria aproveitar a vida, toda a gente parecia não estar preocupada com o futuro desde que vivesse o presente, ninguém mais parecia preocupado com os preconceitos sociais, culturais e religiosos desde que se fosse feliz. A busca e concretização da felicidade tornou-se no todo e no tudo do tão pouco que era a vida desta gente. Aproveita o dia. Carpe Diem. Foi como uma epifania, uma libertação, um soltar das amarras, e de um momento para o outro todos éramos livres de voar sem limites desde que se aproveitasse o dia.

É claro que nem tudo foi assim tão belo e que o futuro de muita desta gente não foi assim tão promissor e banhado de felicidade. Como tudo na vida, não há bem que sempre dure e mal que não acabe. Mas lá foram lutando ao som do mote: Carpe Diem.

Há três coisas para as quais qualquer ser vivo está programado à nascença: sobreviver, reproduzir e morrer. A morte é a única das três que temos como certa e inevitável e contraria sempre as outras duas. Se a morte está certa, porque raio despendemos de tanto esforço e energia para a contrariar desde o primeiro momento de vida? A pergunta parece óbvia para nós, mas não para qualquer outro ser vivo. É possível que sejamos o único ser à face da terra que temos noção do que é a morte e da sua inevitabilidade. Geneticamente e antes do reconhecimento da auto-consciência estamos programados para perpetuar os genes e a vida. Para isso precisamos de sobreviver, de lutar pela vida. A luta pela sobrevivência é constante e brutal e apresenta riscos a toda a hora e a todo o momento. O risco da morte. Passamos a vida a lutar contra o inevitável. Parece um contrassenso. Somos vigaristas tentando ludibriar a morte em cada momento da nossa vida, em cada batida do nosso coração. Pelo menos temos conseguido prolongar o tempo médio de vida. Eu diria que estamos a jogar melhor mas inevitavelmente continuamos a perder o jogo.

A reprodução é também uma forma de ludibriar a morte. Na impossibilidade da nossa matéria viver para sempre, renovamos a vida pela reprodução passando os nossos genes de geração em geração rumo à vida eterna.

Ou então, por outro lado, qualquer ser vivo tendo uma real consciência da sua efemeridade e, sabendo do carácter de escassez que representa a morte para a vida, torne esta tão valiosa, o que leva a que se lute por ela como um bem valioso que é. Talvez nasça aqui o conceito de propriedade privada. O nosso bem mais valioso: a Vida, que é só nossa, a nossa propriedade que nos pode ser retirada, a qual podemos retirar a nós próprios se deixar-mos de lhe atribuir valor. Mas é tão nossa, que nem mesmo depois de roubada alguém se pode apropriar dela. É nossa e só nossa. Uma propriedade, pessoal, privada, da qual apenas nos é permitido doar uma cópia, mas nunca o original. É assim uma doença sexualmente transmissível sem cura.

É por este sonho de imortalidade que corremos riscos, lutamos, enfrentamos a toda poderosa morte, e morremos sem morrer. Tal como o salmão que morre para não morrer.

Hoje, é com tristeza que vejo pessoas que prometeram aproveitar o dia e viver, a refugiarem-se da vida com medo de morrer. Perdemos a motivação para viver e esse é o primeiro sintoma da morte. Perdemos o sentido da vida. Não lhe atribuímos mais valor. É uma propriedade que já não nos pertence. Foi-nos sonegada, nacionalizada. Somos seres semi-vivos que vivemos sem viver e morremos sem morrer.

No filme acima mencionado, entre muitas, há outra lição, ou outra frase motivadora: «não quero chegar ao fim da vida e descobrir que não vivi». Sabemos que perderemos a guerra, mas em cada batalha lutaremos para continuar a viver sabendo que só perdemos a guerra na última batalha em que lutamos.

Precisamos assim de um novo filme, que nos motive e nos traga de volta o gosto pela vida, a adrenalina do risco e do perigo, a emoção e conforto de sobreviver a mais um dia, e cada dia como uma nova provação como se fosse a última.

Num outro filme, Denis Quaid na personagem de Jerry Lee Lews dizia: « I may go to hell, but I go playing the Piano».

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