Onde estavas no 25 de Novembro?
Não faço ideia, mas suspeito que fiquei contente no fim do dia.
A
25 de Novembro de 1975 tinha 22 meses, 21 e meio vá. Não me posso
lembrar, apesar de já andar mas ainda não ser tão refilão como
hoje.
No
princípio de Outubro de 75, eu, os meus irmãos a minha mãe e a minha avó,
deixámos para trás a guerra em Angola. Depois de uns meses a fugir
dos morteiros, obuses, rajadas de G3 e snipers em cima do mamoeiro,
saímos de Nova Lisboa ainda em 74, ruma a cerca de um ano em
Mossâmedes. Depois a fuga para a África do Sul, um campo de
refugiados, o regresso a Mossâmedes, o êxodo para Luanda e
finalmente a ponte aérea para Lisboa.
O
caos no aeroporto e as primeiras semanas em casa de familiares numa
aldeia perdida algures na Serra dos Candeeiros.
O
meu Pai e o meu Tio tinham ficado para trás. Agarrados à esperança.
Sempre a esperança de não perder o fruto de décadas de trabalho
árduo. A esperança do fim da guerra, de salvar o pouco que restava
e de poder voltar à nossa vida, à nossa casa, à nossa terra, ao
nosso país, que isto aqui não nos pertencia. Isto não era a nossa
terra. Nada aqui se identificava connosco.
A
10 de Novembro, o meu pai foi um dos últimos a embarcar num navio de
carga ucraniano ancorado na baía de Luanda, por debaixo do caos.
Celebrava-se já a independência do dia seguinte por entre tiros de
combate que se misturavam com os dos festejos. Pena que aos
embarcados não restassem motivos para festa.
Alguns
dias num barco ucraniano, rumo a Lisboa, sob propostas e lavagem
cerebral para rumar à união soviética onde ofereciam estudos,
amanhãs que cantavam e estatuto social e político no regresso à
futura República popular democrática de Portugal. Alguns foram.
O meu Pai não. O que já tinha visto em Angola de 18 meses de
tentativa de implantação de um regime marxista já lhe tinha
chegado.
O barco entrou na Barra do Tejo ao fim do dia 24 de Novembro de 1975. O desembarque fez-se durante a manhã do dia 25 de Novembro.
Saiu de Luanda debaixo da chuva de artilharia e barricadas de revoltados marxistas cubanos, para pôr pé no cais de Alcântara de uma Lisboa em estado de sítio ocupada pelas forças revolucionárias marxistas do COPCON e do PCP.
Primeiro pensamento: «Guerra por guerra mais vale voltar para trás.»
Entre táxis e boleias, lá chegou à pequena casa, na pequena Aldeia perdida na pequena Serra de um país minúsculo onde o esperava no meio das incertezas a família da qual não havia notícias há dois meses. A família que há dois meses não sabia se era morto ou vivo.
É certo que não me lembro desse dia, mas certamente que houve alegria no final desse 25 de Novembro, de 1975, à lareira na pequena casa, da pequena Aldeia perdida na pequena Serra, de um país minúsculo.
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