sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

A matança.

 

-Américo, é preciso matar coelhos.

-Quantos?

-Sei lá, os machos já andam à bulha uns com os outros, é preciso matar aquilo para não empranharem as fêmeas, depois não se podem matar e não tenho onde pôr tanto coelho.

Lá vou eu. Entro na coelheira, abro a porta da gaiola, estendo a mão. São fáceis de agarrar. Com o medo juntam-se todos num canto em cima uns dos outros. lanço a mão a um, agarro-o pelas duas patas traseiras, com a outra mão estico as orelhas, um murro no cachaço, o corpo contrai-se, à medida que se descontrai o corpo o sangue vai saindo pelas orelhas. Largo-o no chão, esperneia, uns mais que outros, quando o rabo se levantar sai o mijo e morre nesse instante.

Entretanto meti a mão dentro, agarrei outro, o processo repete-se em rotina. Um, depois outro, e outro, e outro, até ao ultimo. no fim, resta uma terreirada de coelhos mortos em cima da palha.

Agora começa o fastidioso processo de esfolar. O gancho já está pendurado na oliveira, fica lá de umas vezes para as outras.



Espeta-se o gancho no tendão de uma das pernas traseiras, normalmente a esquerda, facilita o processo. Faca de bico bem afiada. Corta a pele da pata para a barriga, ambos os cortes se encontram ao meio da barriga. Puxa-se a pele pela frente. Por trás entra um dedo debaixo da pele e força para cima. A mão esquerda agarra a pele levantada e puxa para cima. A faca corta a parte de cima pela base do rabo e puxa para baixo, a outra mão agarra a pele solta da frente e ambas puxam sincronizadas até toda a pele sair até à cabeça. Às vezes o murro é tão forte que o pescoço parte e ao puxar a pele a cabeça vai agarrada, quando assim é o trabalho está feito. Se não for assim, é preciso mais um minuto para esfolar a cabeça. Sabe sempre bem chupar uma cabeça de coelho depois de apurada no arroz malandro.

Tirada a pele, é preciso limpar as tripas. Com ambas as mãos abrem-se as pernas para trás até o osso estalar, a faca abre em cima na pélvis, dois dedos entram dentro da barriga e o bico da faca entra entre os dedos e abre a fina pele da barriga até ao externo. Dois dedos limpam por trás da tripa do intestino grosso e da bexiga e limpam tudo até abaixo. É preciso tirar a goela bem agarrada com um puxão forte mas seguro para não rebentar, caso contrario sai merda por todo lado. Abre-se a caixa torácica , puxa-se o fígado e retira-se com muito cuidado o fel, ou bílis. Verifica-se se há manchas brancas no fígado. Se houver não é aconselhável comer o animal, pode ter doença grave. Falta só cortar as pontas das patas, a que está segura pelo gancho é a ultima. Se houver algum pelo  retira-se depois da carne arrefecer. Se se derramar o fel, lava-se com agua abundante ou joga-se o fígado fora. Demorei 10 minutos a escrever isto, todo o processo não demora mais de três.
Isto faz de mim um insensível assassino em série. O acto de matar coelhos numa capoeira não
pode ser comparado com uma caçada ou montaria ou pode? Animais aprisionados e indefesos, mortos de forma automática e mecânica sem rezas ou sentimentos. A rotina insensível de retirar a vida a um ser sem capacidade de defesa.
Porcos, borregos, cabritos só difere no tamanho, a anatomia é quase igual. Já as aves dispenso. Trabalho fastidioso o de retirar penas e de entranhas infinitamente muito mais mal cheirosas.
As saudades que tenho de um coelho lentamente refugado num tacho de barro, em cima de uma trempe por cima de um lume de lenha de oliveira. Uma batatinha cozida, um feijão verde ou uns grelos escaldados ao dente com azeite e alho e molho do tacho. Vinho no jarro, do pipo de madeira vindo da adega fresca.
Assassino me confesso. Podeis comer merda, os cães também a comem e andam gordos.
Fodei-vos.