sexta-feira, 27 de maio de 2011

O clube dos portugueses mortos

    É frequente, enquanto se viaja pelas redes sociais, encontrar nos perfis pessoais dos inscritos, algumas frases ou citações com que as pessoas se identificam, ou que escolhem como lema de vida, ou ainda em virtude de simples  hipocrisia que enche de moléstia muita gente destas sociedades, apenas porque parece bem. Reparei que uma das citações mais usadas,  é uma frase em latim ou a sua tradução em português usada no filme ‘’o clube dos poetas mortos’’, ‘’carpem dium’’, frequentemente traduzido por, ‘’aproveita o dia’’.
    Acho que isto pode ser um objecto de reflexão interessante, uma vez que revela um pouco da sociedade que temos, e do nível de informação e de esclarecimento intelectual que grassa por este país. A frase ‘’aproveita o dia’’ revela todo o potencial de uma sociedade terceiro mundista, pouco alfabetizada, ignorante, pouco informada e nada esclarecida acerca da realidade, e porque? Porque revela que as pessoas acham tal como em países do terceiro mundo e pouco evoluídos, que se deve viver o dia de hoje como se o amanha não existisse, tanto por falta de ambição e de objectivos das pessoas, tanto por falta de confiança das pessoas no futuro do país, bem porque não fazemos a mínima ideia do que queremos do nosso futuro.
    Mas o mais interessante de tudo isto é o facto de em minha opinião, e é tão-somente a minha opinião, o facto de essa emblemática frase nem ser a mais interessante do filme, e muito menos a mais reveladora acerca da mensagem da história. Em minha opinião, o que marca mesmo o filme são cinco cenas em particular: a cena em que o professor diz aos alunos para rasgarem uma determinada página do livro e pouco depois lhes diz para subirem acima das mesas, e que olhem o mundo de uma outra perspectiva; a cena em que um aluno atira a prenda de aniversario que os pais lhe ofereceram pela varando abaixo; a cena em que o professor diz ao alunos para gritarem e soltarem o ‘’eu’’ que há em cada um deles; a cena em que o professor lhes diz para simplesmente andarem pela praça; e por fim a cena em que um certo aluno interpreta de forma maravilhosa uma peça de teatro, contra a vontade dos pais.
    É um filme que nos dá que pensar. Faz-nos pôr as coisas em causa, faz-nos questionar se o que temos tem mesmo de ser assim ou se podia ser de outra forma, ensina-nos o que são os fundamentos da Filosofia, as perguntas constantes e a procura incessante de respostas. Alerta-nos para o facto de não termos de nos conformar com tudo o que convencionalmente nos ensinam ou nos querem vender. Mas acima de tudo diz-nos claramente que a verdade está dentro de nós, e que quem não se conhece a si mesmo não pode nunca aspirar a conhecer seja o que for, que é a partir do ser que há dentro de cada um de nós, que podemos compreender os demais que nos rodeiam, que é conhecendo-nos a nós mesmos que seremos mais tolerantes e compreensivos com as outras pessoas.
    Diz-se que vivemos uma crise financeira internacional, mas acho que isso é apenas o que nos querem vender, e como sempre, a verdade não está no que nos querem vender mas no que nos querem ensinar. Hoje confunde-se muito o preço das coisas pelo valor das coisas. Hoje em dia tudo tem um preço, e todos conhecemos o preço das coisas, até porque a afixação das tabelas de preços são obrigatórias, mas por outro lado não é obrigatório o ensino e afixação dos valores éticos e morais que deveriam reger as nossas vidas. A crise financeira e económica que vivemos, não é senão o resultado de uma crise muito mais vasta e profunda, uma crise de identidade, e porquê? Porque não nos conhecemos a nós próprios, não sabemos quem somos, de onde vimos nem para onde vamos. O que sabemos melhor do que ninguém é inventar desculpas e atribuir culpas a toda a gente, o que não sabemos fazer no entanto, é ser auto-críticos, de forma a saber qual a nossa contribuição pessoal e colectiva para o estado, em que o estado se encontra.Não sabemos analisar as coisas de uma forma racional, objectiva e independente de complexos e preconceitos.
    Eu aconselharia as pessoas que mandam nesta brincadeirinha, a ensinarem as crianças a fazer quatro coisas fundamentais, quatro disciplinas básicas em todo o percurso escolar, a saber: Português, para que todas as pessoas deste país saibam falar e expressarem-se; Filosofia, para que todas as pessoas deste país saibam pensar por suas próprias cabeças sem comerem alegremente toda a merda que lhe põem à frente; Matemática, para que todas as pessoas saibam fazer contas de uma vez por todas sem se endividarem; Desporto, para que toda a gente saiba que nada se consegue sem esforço e sem sacrifício.
    Reparem que não é em países ricos em recursos naturais que se verificam os mais altos índices de qualidade de vida, mas sim nos países que mais e melhor educam os seus filhos.
    Pelo que vejo nesta época eleitoral, não me parece que todos estes problemas sejam resolvidos nos próximos anos, continuando a sociedade portuguesa a sofrer não por falta de emprego ou de dinheiro, mas por falta de educação. Mas desde que haja velas em Fátima, reality shows e novelas na TV, futebol super bock e tremoços, em vez de Filosofia, nada disto vai mudar, entretanto façam favor de aproveitar o dia.

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