segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Se a religião é o ópio do povo, então, a hipocrisia é a cocaina da sociedade moderna

É uma correria de manha á noite, desenfreada louca, sem sentido sem nada, é despertar ensonado depois de um sono á pressa, depois de um serão da mais  profunda amizade virtual, despertar, acordar, levantar, lavar arranjar, são os filhos que é preciso mandar para a escola, dar o pequeno almoço aos filhos e ao marido, a mesma rotina, sempre a mesma rotina, o mesmo fado, a mesma vida, a mesma sina, o mesmo enfado, o mesmo sacrifício, o mesmo aborrecimento, que vida mais sem sentido, uma vida no meio de milhões de vidas de almas gémeas, perdidas, atrofiadas, frustradas, as mesmas todas sem sentido, sem nada. É uma correria desenfreada em busca do inalcançável, em busco do inverosímil, em busca de tudo e de nada, em busca dos sonhos que as mantém acordadas, a respirar, a sentir o vazio, a ver o tempo passar, o correr, ser disparado como relâmpagos, a vê-los passar diante dos olhos, diante da vida, diante de nada. É a solidão de um grão de areia no deserto, a solidão do ser de entre os seus pares, a solidão da vida no meio da própria vida, já não há alma já não há sentimento puro, é todo um ar impregnado de poluição hipócrita, é a força e a pressão de um grão de areia na superfície do deserto sofrida pelos seus iguais, tanta união e tanta solidão, como é possível, a inteligência do Ser desafiou a vida criadora, a sabedoria da evolução? Tantos dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milénios, milhões e milhões de anos, de milhões de anos-luz de evolução, tudo deitado ao lixo por este Ser numa questão de milionésimos de segundos no contexto global da evolução, que Ser mais cruel e atroz, mais sádico e mesquinho, mais invejoso e detestável, que esta pequena maravilha da evolução, nem um piscar de olhos passou e já está, foi tudo pela agua abaixo, é tão grande a dimensão do desastre que se adivinha, que nem em todas as línguas da terra há letras e palavras, sons, gestos e expressões para explicar tal fenómeno.
     Tão juntos e tão sós estamos nesta vida, a correr, a saltar sem destino ou direcção, estamos a deixar de ser saciáveis dentro desta sociedade, é a transformação total daquilo que somos, é uma catástrofe de dimensões inimagináveis ainda por enquanto, é o correr de manha á noite, o cruzar com vizinhos que não se conhecem, que podem ser até bandidos, de gravata bem vincada e barba bem aparada, que nos sorriem de gestos agradáveis e simpáticos, é o buzinar e os gestos obscenos, a quem dizemos não ser civilizado, é a supremacia do narcisismos elevada á potencia do cubo da nossa hipocrisia, é o correr, sempre a correr, sem demoras, sempre atrasados, sempre em busca do que não temos sem saber o que realmente queremos, e assim se passam as noites a seguir aos dias, na vastidão abissal do tempo, sem saber compreender qual o nosso lugar. E corremos, sempre a correr, em busca do inalcançável, porque não sabemos o que somos, já esquecemos de onde viemos, não fazemos a mínima ideia de para onde vamos.
    Por isso corremos, sempre a correr, para não chegar tarde não se sabe onde, para chegar cedo sem saber porque, e corremos, como tolinhos, porque os outros correm, como ovelhas que somos, pois quem me dera ser feliz como as ovelhas que sabem sempre ocupar o seu lugar e morrem sempre felizes sem nunca dar luta a uma qualquer corda que se atravessa no caminho da lã do seu pescoço, é o conhecimento que os faz correr, é a ignorância da nossa felicidade que nos atraiçoou. Se a religião é o ópio do povo, como alguém uma vez disse, então atrevo-me a dizer que a hipocrisia, é a cocaína da sociedade moderna, e que o conhecimento é a dolorosa e interminável ressaca nas nossas vidas. 
    Por isso corremos, para matar esse vício, para acalmar a nossa dor, e alimentamos esta doce vingança da Natureza. Por isso corremos, para o trabalho, deixamos as crianças entregues aos pais adoptivos, aqueles que não lhe são nada mas que são na realidade quem mais vive com eles e quem melhor os conhece, são como que despejados numa estufa de ensino, de onde mais tarde são retirados e confrontados com a dura realidade, do tempo, do calor escaldante e do frio atroz. E corremos, sempre a correr, sem destino ou direcção, sozinhos, sempre sozinhos, isolados num mundo cheio de gente, voltamos e reunimos os indivíduos, sempre reunidos sempre juntos mas sempre tão sós, ninguém se conhece ninguém se entreajuda, já não há vizinhos, já não há famílias, já não somos uma sociedade, somos apenas o somatório, um exercício de álgebra, um resultado de uma equação, somos números aleatórios numa tabela de Excel, onde alguém nos joga e manipula, qual escravidão de algoritmos, sem vontade própria, sem ser, sem eu, sem tu, sem nada, tudo vazio, tudo em fila indiana, em busca de uma malga de caldo desenxabido, rico em hidratos de carbono e gorduras carbonizadas, já não há vitaminas, nem sais minerais, nem proteínas. 
    E por isso corremos, sempre a correr, ao som do tempo, ao sabor do vento, e cansados, de ouvidos saturados, de cérebros inchados, sentamo-nos, diante desta maquina infernal que nos vicia e acaricia, Que nos mima e ouve, que engole as nossas lágrimas, que escuta os nossos desabafos, que alimenta os nossos sonhos, que ilumina os nossos tristes e desolados e inconformados rostos, e temos todo um mundo á nossa disposição, há distancia de um click, ao tempo que demora a carregar num ENTER, e tudo se abre á nossa frente, milhões de pessoas, membros de uma sociedade que cada vez menos existe, que nos insultam e ofendem, que nos protegem e defendem, que nos acariciam e abraçam, que nos dão mimos livres de sons, tons, cheiros, afagos, gostos, de calor, nos dão tudo sem nada, ate amor e sexo livre de riscos de infecção sem protecção, é todo um mundo lindo rico e maravilhoso de sonhos e ilusões, que nos são vendidas pelo preço de nada, do vazio, da frustração, da agua na boca e da sensação de falhanço, com o amargo do saber a pouco, com o sonho do querer mais, de ter o que não se sabe existir, de voltar a conhecer o que nunca se provou. Por isso corremos, sempre a correr de um lado para outro , pior que formigas, já não temos nem deixamos rasto, apenas corremos, sem saber porque corremos, mas como os outros correm, nos corremos também, mas não sabemos porque o fazemos, apenas corremos…

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